hurling
Cathbad a dar as suas lições de magia a oito dos seus mais destacados alunos.
A certa altura, um deles perguntou ao Mestre quais os presságios, bons ou maus,
destinados para aquele dia, ao que Cathbad respondeu:
– Aquele que hoje pegar em armas pela primeira vez será o mais valoroso
guerreiro que a Irlanda jamais teve, ou virá a ter, e, embora a sua vida venha a ser curta
e fugaz, as histórias das suas façanhas serão contadas e relembradas para todo o sempre!
Ao ouvir isto, Cúchulainn dirigiu-se ao Rei, seu tio, Conor MacNeasa e saudou-o:
– Toda a honra ao Rei!
– Essa é a saudação interessada de quem quer um favor – respondeu o Rei.
– Quero pegar em armas e tornar-me guerreiro – retorquiu Cúchulainn.
– E quem é que te colocou essas ideias na cabeça? – perguntou Conor MacNeasa.
– Cathbad, o Druida.
O Rei reflectiu durante alguns momentos e disse:
– Meu rapaz, por certo Cathbad não te ária falsos conselhos – e imediatamente deu
a Cúchlainn duas lanças, uma espada e um escudo.
O jovem treinou com aquelas armas até que se partiram, obrigando o Rei a dar-lhe
um outro conjunto de armas… que também se quebraram! Catorze conjuntos de armas
foram sendo sucessivamente destruídos até que Cúchulainn disse ao Rei:
– Estas armas não são suficientemente boas para mim! Dá-me armas que estejam à
altura das minhas capacidades.
Então o Rei entregou-lhe as suas próprias armas. Cúchulainn experimentou-as
dobrando a lâmina até que a ponta tocasse o punho, e a espada aguentou a pressão;
depois, abanou fortemente as lanças para testar a sua resistência, e elas mantiveram-se
firmes; e o mesmo sucedeu com o escudo. Por fim, Cúchulainn disse:
– Estas sim. Estas são armas dignas de mim!
Satisfeito, o Rei Conor mandou chamar Ibar, o Palafreneiro Real, e ordenou-lhe:
– Aparelha o meu carro de guerra com os meus dois melhores cavalos e deixa que
Cúchulainn se sirva dele.
Como ordenado pelo seu Rei, Ibar entregou a Cúchulainn o carro devidamente
preparado, mas o jovem, tal como fizera com as armas, também quis experimentar o
carro antes de o usar: agarrou-o pelo eixo, levantou-o, balanceou-o violentamente e deuse
por satisfeito pois a estrutura tudo aguentou sem se desconjuntar.
Cúchulainn e Ibar subiram então para o carro e partiram em direcção à torrefortaleza
de Ath na Foraine, junto à fronteira com a Terra de Slieve Fuad. Pelo caminho,
avistaram, na floresta, uns cisnes que, segundo Ibar, ninguém conseguia caçar, e se
acaso o conseguia, não ia além de um único exemplar. Sem dizer palavra, Cúchulainn
apeou-se do carro, embrenhou-se na floresta em direcção às aves e regressou para
grande espanto do palafreneiro, com vinte cisnes.
Prosseguiram viagem e quando, por fim, avistaram o forte, Cúchulainn perguntou:
– A quem pertence?
– Este é o forte dos três filhos de Nechtan, que foi morto pelos homens do Ulster –
replicou Ibar. – Ainda hoje os três filhos continuam a vangloriar-se de, naquele dia em
que mataram o seu pai, eles, por seu turno, terem deixado em campo mais homens do
Ulster mortos do que vivos os que conseguiram fugir.
– Então vamos lá! – sentenciou Cuchulainn sem hesitar.
– Estás doido?! – assustou-se Ibar. – Depois da morte do pai deles, qualquer
homem do Ulster que se atreva a ali ir não regressa vivo!
Ainda assim, Cúchulainn dirigiu-se ao forte e, sem hesitações disse-lhes que
estava ali para os matar! Os três irmãos largaram-se a rir ao verem um adversário ainda
tão criança.
Cúchulainn enrubesceu de raiva, atacou os três homens e matou cada um com um
único golpe de espada, decapitando-os. Depois, atou as cabeças ao carro e regressou a
Emain Macha onde, assim, granjeou a admiração e o respeito de todos os guerreiros
mais velhos.
A morte de Connla
Quando chegou a hora de deixar a Escócia para regressar ao Ulster e poder,
finalmente, casar com Emer
valente guerreira Scathach, como lhe tinha sido ordenado, Cúchulainn teve que deixar a
bela Aoife, irmã daquela, que, nessa altura, estava grávida dele. À despedida,
Cúchulainn entregou a Aoife um anel de polegar para o filho deles e recomendou-lhe
que, quando nascesse, ele tivesse o nome “Connla” e que, quando fosse suficientemente
crescido, deveria ir treinar-se no quartel da sua tia, a guerreira Scathach. Disse-lhe ainda
que o garoto não deveria nunca dizer o seu nome a quem quer que fosse a não ser ao
guerreiro que o conseguisse derrotar.
Sete anos depois, Connla chegou ao Ulster. Durante a viagem de travessia do mar
entre as duas ilhas, treinava-se com a funda: acertava em aves marinhas com toda a
precisão, apanhava-as inconscientes, esperava que acordassem e soltava-as para que
pudessem continuar a voar em liberdade.
A notícia de que o rapaz estava para chegar espalhou-se rapidamente, chegando
aos ouvidos dos mais importantes guerreiros e heróis do Ulster, os quais decidiram não
o deixar desembarcar enquanto não ficassem a conhecer o nome dele.
À chegada, esperava-o Conall Cearnach, um dos mais valentes guerreiros do
Ulster, que lhe ordenou:
– Diz-me o teu nome!
– Nem penses! Não direi o meu nome senão a quem me vencer em combate!
– Assim seja. Lutemos então – concordou Conall Cearnach.
Assistiu-se, então, ao inacreditável: uma criança a combater com um dos mais
temíveis guerreiros do Ulster!
Connla colocou uma pedra na sua funda e fê-la rodopiar com tal força que se
levantou um ruído imenso, como se fosse o som de uma ventania; e o barulho e a
*, depois de ter passado muito meses em treinos com a
*
Há um hiato entre esta história e a anterior, pelo que convém proceder a um resumo**, trespassando e esfacelando com ela o corpo de
**
Arma mítica e única do seu género. Trata-se, segundo a lenda, de uma arma
O touro castanho de Colley
Medb era a orgulhosa e obstinada rainha de Connacht, casada com Aillil. Uma
noite, antes de adormecerem, puseram-se a conversar sobre as riquezas que cada um
tinha, comparando-as, incluindo as mais simples de todas, como roupas, e concluíram
que havia apenas uma única diferença: Aillil era possuidor de um belíssimo touro, a que
chamava “Cornos Brancos”, e Medb nada tinha de comparável.
Então, a rainha enviou mensageiros ao Ulster para tentar obter do Chefe Daire a
oferta do seu fantástico e famoso touro, o “Touro Castanho de Cooley”. Daire
concordou e os mensageiros, muito satisfeitos, foram celebrar o acontecimento numa
festa que foi oferecida em honra do acordo.
Todavia, durante os festejos, os mensageiros beberam mais do que deveriam e,
sob os efeitos do vinho, começaram a dizer disparates. Chegaram, inclusivamente, a
dizer que se Daire não lhes tivesse dado o touro, o levariam à força.
Está claro que quando Daire ouviu aquilo disse imediatamente que a oferta ficava
sem efeito e os mensageiros tiveram que regressa de mãos vazias.
Medb ficou irritadíssima e decidiu que conseguiria o touro, fosse de que maneira
fosse, começando logo a organizar um poderoso exército com soldados seus e de outras
zonas da Irlanda para atacar o Ulster.
A luta no vau
A Rainha Medb, de Connacht ficou furiosa quando soube que os do Ulster tinham
recusado dar-lhe o Touro Castanho e começou a preparar um exército para os atacar.
Como o exército do Ulster ainda estava sob o efeito da Maldição de Macha, os
soldados não tinham força e sentiam muitas dores. Ora, Cúchulainn era o único
guerreiro que não estava afectado e, por isso, tinha condições para lutar, pelo que a
Rainha Medb aceitou que em vez de uma batalha normal entre dois exércitos, a luta
fosse sempre entre Cúchulainn e os adversários em combates homem a homem.
Em cada dia Cúchulainn derrotava mais de cem, ou porque os matava ou porque
fugiam. Então, Medb mandou o mais famoso guerreiro de Connacht, Ferdia, mas ele
recusou porque Cúchulainn era seu irmão de leite e o seu melhor amigo.
Passados alguns dias, porém, Medb conseguiu persuadir Ferdia dizendo-lhe que o
seu amigo andava a insultá-lo e a chamar-lhe cobarde. Cúchulainn ficou muito
surpreendido quando Ferdia chegou para lutar e, de início, não quis combater com ele;
contudo, pensando melhor, chegou à conclusão de que não deveria colocar em risco a
sua lealdade ao Reino do Ulster por causa de uma amizade pessoal.
No primeiro dia, lutaram com espadas, mas nenhum venceu o outro e, não
esquecendo a sua amizade, nessa noite jantaram juntos; no dia seguinte, lutaram sem
armas e, novamente, nenhum venceu; finalmente, no terceiro dia, Cúchulainn quase
morreu e, por isso, teve que utilizar a Gae Bolga, o seu dardo mágico trespassando, do
peito às costas, o corpo do seu melhor amigo!
Antes que Ferdia caísse, Cúchulainn ainda o agarrou e chorou convulsivamente,
tal era a tristeza que sentia.
Preocupado com a reacção dos outros guerreiros de Medb, Ibar (o Palafreneiro
Real do Rei Conor que estava ao serviço de Cúchulainn) aconselhou-o a sair dali antes
que fosse atacado pelo exército inteiro e assim o herói do Ulster partiu com o coração
carregado de infelicidade.
Morte de Cúchulainn
Quando atingiu os vinte e sete anos de idade, Cúchulainn tinha já muitos inimigos,
dos quais a Rainha Medb era uma. Tinha também já matado muita gente,
inclusivamente Calitin
mãe, para conseguirem vingança.
Medb acolheu-os e transformou-os em excelentes guerreiros, aliando a arte da
guerra com as artes da magia, que já possuíam. Então, Medb voltou a invadir o Ulster e
o Rei Connor MacNeasa convocou Cúchulainn para defender a capital do reino, Emain
Macha, e o castelo.
Os filhos de Calitin desafiaram Cúchulainn para um combate e começaram a
provocar, com a sua magia, ilusões que faziam parecer que o castelo estava a ser
atacado; porém, o Druida do Rei Connor, Cathbad (que já conhecemos de outra
história), deu conta do engano e impediu-o dizendo-lhe que não deveria lutar durante
três dias, isto é, o tempo que duraria o efeito da magia maligna.
Para tal, Cathbad foi ter com uma das antigas namoradas de Cúchulainn, a bela
Niamh, pedindo-lhe que o convencesse a esconderem-se juntos, durante aquele tempo,
numa das grutas do Vale dos Surdos. Não muito satisfeito, Cúchulainn anuiu.
Entretanto, os filhos de Calitin conseguiram dar com o paradeiro dos dois e
urdiram um plano: um deles atraiu Niamh para fora do Vele e outro, por artes mágicas,
tomou a forma dela e convenceu Cúchulainn a sair para a batalha.
Então, Cúchulainn ordenou ao seu palafreneiro, Ibar, que arreasse “Cinzento de
Macha”, o seu portentoso cavalo, para poder dirigir-se para o campo de batalha. Quando
chegou perante Cúchulainn e a falsa Niamh, o cavalo apercebeu-se de um inexplicável
perigo e recusou-se a galopar. Só ao fim de muita insistência foi possível fazer com que
o animal começasse a deslocar-se. Nessa altura, chegou a verdadeira Niamh que,
* e vinte dos seus filhos, restando seis para, juntamente com a sua
*
Calitin (Cailitín Dána, Cailitin or Calatin) era o Druida-Chefe da Rainha Medb
preocupadíssima, tentou fazer com que Cúchulainn voltasse à razão, mas este, com o
espírito tolhido pela magia, não lhe deu ouvidos.
Quando chegou ao campo de batalha, foi ao seu encontro um druida desconhecido
que o exortou a combater, apesar de a batalha que estava perante os olhos de
Cúchulainn não existir pois, tal como o druida desconhecido, não passava da ilusão
criada pelos filhos de Calitin.
Por três vezes Cúchulainn enfrentou e matou os mesmos guerreiros; e de cada vez
que tal sucedia, o Druida pedia-lhe a sua lança.
Da primeira vez, embora relutantemente, entregou a lança por recear que, se o não
fizesse, o seu nome seria desonrado. Assim, arremessou a lança em direcção ao druida,
trespassando-o a ele e a mais nove imaginários homens, indo cravar-se no solo, mesmo
em frente a um dos filhos de Calitin, responsável pela ilusão mágica. Este pegou na
lança e arremessou-a de volta, contra Cúchulainn, mas falhou, acertando antes em Ibar,
o Palafreneiro Real, matando-o. A primeira lança acabara de matar o mais importante
dos palafreneiros do Ulster!
Da segunda vez, Cúchulainn deu a lança ao falso druida por temer que, se assim
não fosse, seria o nome do Ulster a ficar desonrado. Então, uma vez mais, Cúchulainn
lançou o dardo que, como anteriormente, atravessou o druida e os nove homens
imaginários, indo cravar-se no chão, em frente a um dos outros filhos de Calitin. Este
arremessou a lança contra Cúchulainn, mas falhou e acertou no cavalo do herói. A
segunda lança tinha acabado de matar o melhor cavalo de toda a Irlanda!
Finalmente, foi o receio de ver desonrado o nome da Irlanda que fez com que
Cúchulainn lançasse a lança pela terceira vez, repetindo-se o que havia acontecido antes
com o druida e os guerreiros imaginários. E como anteriormente, um terceiro folho e
Calitin pegou na lança e arremessou-a contra Cúchulainn, acertando-lhe no estômago,
ficando expostas as entranhas dele.
A gravidade da ferida provocou uma sede imensa aCuchulainn, que se dirigiu ao
lago, para a saciar. Na margem, amarrou-se fortemente a uma coluna de pedra que ali
estava, pois havia jurado a si próprio que, quando morresse, morreria de pé
empunhando a sua espada.
Assim ficou por três dias, sem que alguém ousasse aproximar-se, embora todos os
seus adversários soubessem que estava em grande agonia. Por fim, Cúchulainn
arregalou os seus olhos e morreu.
Só quando um corvo pousou no ombro do herói é que se ficou a saber da sua
morte. Então, Erc disse a Lugaid (dois irmãos, filhos de Calitin) que lhe fosse cortar a
cabeça, mas no momento em que Lugaid se aproximava, a mão sem força de
Cúchulainn, mas com a espada ainda agarrada, caiu e a lâmina da arma decepou a mão
de Lugaid.
Mesmo morto, o herói do Ulster ainda atacava os seus inimigos!
Por fim, os filhos de Calitin conseguiram cortar a cabeça de Cúchulainn e levá-la
para Tara
ao pilar de pedra.
*, como troféu. Quanto ao corpo de Cúchulainn, ficou na margem o lago, atado
*
O Monte de Tara, ou Temair em Gaélico, é o marco do antigo poder da Irlanda.